Sob o cano de uma Winchester 1894, o jovem Marcolino Castro Neves casou-se com a malfeita Genoveva de Alcântara, em Salinas, na década de 1950. Os proclamas do casamento foram aviados com emergência pelo pai da moça, o coronel Ludovico de Alcântara, que buscou o padre na cidade e obrigou o futuro genro a colocar no dedo uma aliança de latão. Diante do sol, que rachava o sertão ao meio-dia e fazia estalar as ripas da casa-grande, os funcionários da fazenda se aglomeraram para ouvir o rito matrimonial.
Enquanto o padre lia aquele palavrório enfadonho, o povo desabava em pranto: Marcolino chorava a solteirice e a juventude perdidas; Genoveva chorava pelo alívio de casar-se, pois tudo o que podia esperar da vida era o caritó; Dona Leontina, mãe da noiva, chorava pela felicidade e pelo futuro da família, pois logo teria netos e mais netos para cuidar; o coronel chorava com o suor e as mordidas de mutuca no rosto, enquanto segurava a espingarda; e as jovens da fazenda choravam por ver o choro de todo mundo.
Quando a cerimônia foi encerrada e ouviu-se o “sim” dos noivos, a família entrou para a casa, onde o coronel ofereceu um banquete de carne de bode cozida e buchada; serviu-se pirão de leite de cabra, queijo coalho assado, e uma infinidade de guloseimas que Dona Leontina, de maneira modesta, chamava de ‘comidinha para forrar o estômago’. Agora distante do cano da espingarda, e acreditando estar na melhor das posições, Marcolino cobrou a sua parcela naquele contrato de casamento forçado:
— Quero parte da fazenda ao lado do Rio das Piranhas, onde poderei criar algumas cabras; também desejo cuidar dos rebanhos com os vaqueiros e viver com o soldo que o meu sogro puder pagar.
O coronel não fez objeção. Enquanto mordia um pedaço de carne, com os olhos de teiú faminto, respondeu:
— Terá o que quiser, desde que honre o casamento com a minha filha!
Marcolino dedicou-se ao casamento com a desajeitada Genoveva durante oito anos. O prazo encerrou-se quando o coronel Ludovico fechou o paletó. Ele morreu às margens do Rio das Piranhas, enquanto assistia ao banho das moças da fazenda, admirando a beleza dos seios túrgidos e das peles molhadas. O mensageiro da morte foi o alazão de estimação, que atravessou o terreiro da casa-grande com a sela e sem o cavaleiro. Marcolino correu com os vaqueiros para encontrar o corpo e, em seguida, como se tivesse arrancado um peso plúmbeo das costas, saiu para beber numa bodega.
Durante o velório, não houve choro. Ninguém derramou uma só lágrima pelo infeliz. Dona Leontina, a viúva, sentou-se em uma cadeira, enquanto recebia as condolências dos visitantes, gente de posse da região que estava ali mais para comemorar do que para lamentar. Genoveva cuidava dos filhos no quarto, preocupada com a ausência de Marcolino. No início da noite, ele apareceu mais feliz do que cururu na enchente. Bêbado, meteu-se a fazer um discurso sobre o morto.
— Era ruim? Era ruim. Era um diabo avarento? Era um diabo avarento. Mas foi um homem de coragem! Conquistou tudo o que tem com trabalho e agora deixou em herança para minha amada mulher. Eu, que sou simples e honesto, vou administrar tudo como se fosse meu. Serei livre para mandar e desmandar! Agora é independência ou morte!
Na manhã seguinte, depositaram o corpo do velho numa cova ao lado do Rio das Piranhas, sob a sombra de uma grande baraúna; assim, ele poderia, do além-mundo, continuar admirando as beldades que se banhavam naquelas águas. Marcolino, que dera o seu grito de liberdade, inspirado em Pedro I, na noite anterior, iniciou a estratégia de dominação das terras da fazenda. E começou com uma mudança estética. Foi à cidade, comprou um paletó branco, um chapéu de abas largas, um par de botas de couro de jacaré. Ao voltar para a fazenda, deparou-se com alguns vaqueiros indo embora.
Já no terreiro da casa-grande, saltou do carro. Todo cheio de si, mostrou para a mulher as roupas vestidas e as botas com esporas. Enquanto alardeava a sua nova vestimenta de coronel, reparava na debandada geral dos funcionários da fazenda pela estrada principal. Somente aí percebeu que a mulher e a sogra também estavam com as malas arrumadas. Genoveva penteava os cabelos dos filhos e, ignorando a imbecilidade pomposa do marido, indagou:
— Acaso não vês o que está acontecendo?
Ele redarguiu:
— O que há de ser, minha senhora?
Ela respondeu com simplicidade:
— Papai hipotecou a fazenda antes de morrer. Nós não somos mais donos de nada aqui. A hipoteca venceu, vamos embora.
Marcolino sentiu as vistas escurecerem. Entrou na casa, pegou uma garrafa de aguardente e bebeu cada gole como se fosse o último. Embriagado, correu até o túmulo do coronel Ludovico, onde fez um novo discurso, olhando para as águas do Rio das Piranhas.
— Era mofino? Era mofino. Era um homem decadente e sem vergonha? Era um homem sem vergonha nenhuma e arrombado. Vai descansar numa terra que nem é mais sua. Veja, Rio das Piranhas, o verme que se aboletou em suas margens! Pobre rio! E eu, que sonhei com a minha independência, terei apenas morte. Maldito seja, coronel Ludovico!